Os meus medos tinham-se tornado realidade. Estava cheio de dores.
Chegara ao local com quarenta minutos de antecedência. Estava nervoso, o recinto repleto de pessoas cujo aspecto indicava uma condição melhor que a minha.
Mas a corrida era contra mim mesmo, não contra eles.
O receio do desconforto levou-me a fazer uma corrida de cem metros para aquecer e vislumbrar o que me esperava.
Infelizmente, tinha razão.
Quando parei, as coxas apertavam-se ao osso para não caírem, agarravam-se com tanta força que alcançavam músculos mais acima para sobreviverem. Uma intensa dor no fim da coluna acrescentava-me cinquenta anos de idade.
A 20 minutos do início, o programa tinha um aquecimento que eu procurei fazer enquanto me convencia de que tudo estava bem.
Não estava, a aflição persistia.
Faltavam 5 minutos quando decidi alongar o “psoas” para tentar impedir a maré de subir. Pareceu que naquele momento me fora dada alguma liberdade daquele pesar.
Entrei na fila e cheguei até ao sítio do começo, onde trezentas pessoas começaram a correr vinte segundos depois das dez.
Quando toda a gente foi dispersando, olhei para o céu e para as nuvens que compunham o cenário.
“Os céus não se vão ficar a rir”, disse a mim mesmo como estranhamente tenho o hábito.
Quatrocentos metros tinham passado e sabia que ia ter de lutar para acabar a corrida.
Vi os meus pais, e virei em direção a um mundo desconhecido. Só sabia o caminho até onde estavam, depois seria uma exploração.
Aquando a primeira subida, a sensação de liberdade por estar a correr no meio da estrada encheu o meu coração de felicidade e adrenalina. Haverá ato mais libertador que esse?
Bem lá ao fundo ia obtendo pistas deixadas por outros corredores sobre o percurso.
Eu estava bem cá atrás.
Mas não importava, o meu objetivo era o meu objetivo.
Continuei a fazer a única coisa que valia a pena no momento, correr.
Concentrado na minha passada, ia tentando ignorar quantas pessoas me passavam e eu passava. Numa corrida, é fácil deixar-nos influenciar pelos outros, mas mantive sempre o foco naquilo que queria cumprir.
Tinham-se passado três quilómetros quando eu julgava ter corrido cinco ou seis.
Novas partes do corpo sucumbiam à ansiedade de cair do corpo. Agarravam-se a mim com forças que eu desconhecia que tinha.
Inconscientemente, veio-me ao pensamento “se não corres com as pernas, corres com o coração”, e segui.
Abrandei, mas nunca parei, parar seria morrer.
Continuamos por onde eu nunca julguei ir, por zonas onde o chão desgastava os mal preparados como eu. Era o quarto quilómetro e não parava de pedir a chegada do quinto.
Não respirava, fingia que o fazia apenas.
Para minha sorte, o quinto quilómetro lá me fizera a vontade de chegar; com ele, a confiança da metade enchia-me o espírito, estava melhor do que esperava. Olhei para o relógio e estava com um tempo melhor do que todas as outras corridas que tinha feito. Tinha trinta e dois minutos nos seis quilómetros, quatro melhor do que esperava.
Numa nova vida, transportava o meu corpo a gritar comigo “Isto é que é superar os limites! É isto Tomás! Não abrantes, vai mais rápido!!”.
Assim o fiz.
Dividido entre a corrida e outras coisas, apanhei um corredor que conhecia, a materialização da minha meta concluída; decidi dar tudo o que tinha e manter-me atrás dele.
Mirei novamente o céu, mas sem a mesma lucidez para processar o que quer que fosse. Olhei por olhar, porque os solavancos da passada me fizeram apontar com a cabeça para lá.
Faltava um quilómetro e meio para chegar ao fim.
Decidi olhar para o chão e concentrei-me para não ver a meta. Sabia que assim que o fizesse os alarmes iam soar e não ia ter capacidade de controlar a minha respiração.
Ofegante e a tentar manter as costuras, foquei-me e pensei…
“Eu consigo ir mais rápido?…”
E conseguia.
Tinha treinado para isso.
Tinha treinado para sempre que estivesse no final, mesmo descontrolado, aumentar a passada um nível acima do da corrida normal.
Conseguia.
Mas não fiz.
Ia cumprir o meu objetivo, isso bastava.
Corri mais um pouco e quando vi a meta, reparei que corria debaixo de água.
Acabei-a.
Demorei a voltar à superfície, mas voltei.
A desfalecer? A desfalecer.
Com dores? Mal parei, senti-as.
Compensou? Foda-se, claro.
Vencera.
Cumprira a minha palavra.
Bem escrita, envolvente. Pessoas mais competentes que eu dirão que tens jeito pra coisa. Eu só digo que de certeza foi graças à banda electrónica que compraste na Decathlon
O que seria de mim sem ela! 😂
Excelente texto sobre a mente de um atleta. Senti exatamente o mesmo quando ultrapassei o meu objetivo na única corrida que participei (corta mato do 6 ano, fiquei em 2 lugar)
Parabéns!!!